o 1º mc português (curta metragem) - valete lyrics
[intro – locutor]
“11 de agosto de 1973, hoje é o dia da coragem
a vitória está perto irmãos! acreditem!
vamos ouvir outro tema depois do intervalo! até já!”
(telefone toca)
[diálogo]
mário – estou?
rececionista – estou sim, sr. mário, eu peço desculpa
é aqui da receção, está aqui uma rapariga chamada floribela
ela diz que é sua fã, diz que o quer conhecer
quer uns autógrafos também…
mário – podes mandar subir
rececionista – é, pr-nto. então eu vou mandar subir
obrigado, sr. mário
mário – de nada
rececionista – olhe, pode subir. é o quarto 115, no 1º andar
floribela – obrigada
[verso 1 – valete]
ele diz, podes entrar floribela
ela p-ssa por ele e ele olha po’ booty dela
rabo diferenciado, parece que foi ampliado
arrepiado ele fez cara de quem quer dar uma mordidela
o andar dela já o ‘tá a desgraçar
ela olha pa ‘trás e ele tenta disfarçar
ficou sem jeito sentiu que foi apanhado e
como um suspeito, larga um sorriso acanhado e
fala do céu cinzento e do tempo chuvoso
pa’ ver se alivia o momento embaraçoso
ela fala do vento, diálogo infrutuoso
diz que amanhã o tempo será mais impiedoso
não se importa de estar na conversa merdosa, mantém a nota
mas nota-se muito que está bem nervosa
não contava em baquiar, fraquejar
não diz uma frase sem gaguejar
põe uma mão na almofada e começa a espremer
e fecha a outra mão pra’ ver se deixa de tremer
aceleração cardíaca sufocante
transpiração respiração ofegante
[diálogo]
mário – então estás nervosa?
floribela – sim, estou um bocadinho nervosa
mário – fica à vontade, eu sou da paz, fica à vontade
queres beber um copo de água ou algo -ssim?
floribela – sim, pode ser um pouco de água, por favor
mário – ok… toma, segura!
floribela – obrigada
[verso 2 – valete]
inquieta com uma mão na mala a outra no cabelo
ela fala mas não consegue olhar nos olhos dele
diz que a irmã lúcia também acha que ele é o maior
mas ela é a única que sabe todas as músicas de cor
diz que até cantava mas não quer ser atrevida
diz que canta tão mal que tem medo de ser agredida
mas diz que a mãe gosta e até fica at-rdida
ela diz que canta todas, ele diz que não acredita
pede-lhe pa’ cantar pa’ ver se desaparece a descrença
ela diz que dispensa fazer figuras porque ’tá muito tensa
diz que seria uma ofensa seria um momento triste
ele sente o acanhamento dela mas ri-se e insiste
[diálogo]
mário – anda lá, coragem!
floribela – ok, vou cantar mas só um bocadinho!
mário – força
floribela – “nesta selva, coragem
p’ra seres, tu mesmo, nesta selva”
[verso 3 – valete]
desfilou uma voz rouca com um timbre esbelto
ele ficou louco, quieto, boquiaberto
diz: “a tua performance merece champanhe
nunca pensei que cant-sses tão bem”
não és como as rainhas da cocada, tens a voz dourada
mereces ser honorada, ela ficou logo corada
se ela lanç-sse um disco todos ficavam reduzidos
abafaria todos, seria um genocídio
canta com mestria, ele nunca teria deduzido
melodia na voz dela, deixou-o mais seduzido
canta a donzela e a língua dele congela
ele já só pensa em enrolar-se com ela
tantos atributos deixaram-no abalado
embalado só pensa em dominá-la e possuí-la
ele fica quase um minuto calado
ralado a pensar como irá provocá-la e seduzi-la
diz que ela tem a voz da rosa atalaia
pergunta se ela quer um coche de moskovskaya
ela sorri e diz que de vodka nunca foge
diz que bebida é droga mas pode beber um coche
ele diz: “é suave, não precisas de ter cautela!”
tranquiliza-a enquanto enche o copo dela
diz que ela é singela, encantadora, arrebatadora e
pergunta se ela não sonha ser cantora
ela diz que se fosse nunca se desleixaria
ela até sonha mas sabe que o pai não deixaria
ela até entende o pai por isso nunca se queixaria
o presente e o futuro dela é vender na peixaria
ela bebe enquanto lamenta-se à janela
ele tenta pôr mais vodka no copo dela
ela sente os sinais, ele é igual aos demais
afasta o copo e diz que já não quer mais
vê que ele quer embebedá-la pa’ furnicá-la
camasutrá-la na cama, fulminá-la
vê que ele quer embebedá-la pa’ furnicá- la
infernizá-la na cama e fulminá-la
[diálogo]
floribela – olha tenho que ir embora! que pena!
mário – já?!
floribela – tenho o meu pai à minha espera, tenho mesmo que ir, mas podes-me dar o teu autógrafo, por favor?
mário – sim. claro
floribela – é pena, mas tenho mesmo que ir
mário – olha, podes-me dar o teu número?
floribela – o meu número?
mário – sim, quando voltar para lisboa, ligo-te
floribela – oh! já sei que não vais ligar
mário – olha que eu ligo!
floribela – quero ver isso…adeus
[refrão]
coragem, p’ra seres tu mesmo nesta selva
coragem, p’ra seres tu mesmo nesta selva
(telefone toca)
[diálogo]
floribela – estou, quem fala?
mário – sou eu o mário, estou cá em lisboa, tudo bem?
floribela – ligaste?!
mário – eu disse que ligava
floribela – que bom!
mário – queres ir jantar ou algo -ssim?
floribela – sim, podemos ir jantar
[verso 4 – valete]
clima radiante e amoroso
ele levou-a a um restaurante glamoroso
colorida ela ofusca toda a gente
veio vestida principescamente
restaurante num dos prédios pombalinos
eles já todos vibrantes e descontraídos
vinho já todo bebido, jantar de arromba
eles comeram até ficarem combalidos
noite terminada e ela emocionada
estava intencionada e ele não tentou nada, nada
maroto quis guardar a ousadia
combinaram outro dia e outro dia e outro dia
e noutro dia lá no jardim aromático
os dois loucos no s-xo acrobático
“lembras-te no jardim aromático
nós dois no s-xo acrobático”
[refrão]
coragem, p’ra seres, tu mesmo, nesta selva
coragem, p’ra seres, tu mesmo, nesta selva
2ª parte (o parto)
enfermeira – isso, respire, calma, calma, respire comigo, isso, coragem!
[verso 5 – valete]
o parto ’tá iminente, corpo debilitado
vai começar, o colo do útero completamente dilatado
ela sente uma dor hedionda, vê aumentar as palpitações
e sente-se, cada vez mais frágil, tonta e cheia de contrações
o feto já desce pelo c-n-l v-g-n-l
no hospital é o primeiro parto do período matinal
barulhenta, quarenta minutos de horrores
turbulenta, liberta vários odores
o líquido da placenta corre na v-g-n- sangrenta
pura tormenta ela grita e diz que não aguenta com tantas dores
tentam acalmá-la ela ‘tá muito frenética, elétrica
e a médica da lhe outra injeccão -n-lgésica
e diz que com tanto esforço o bebé sairá forte, lindo
o bebé sairá rugindo e ela diz “que deus a ouça!”
abdómen vai contraindo o útero vai-se expandindo
a médica vai gerindo tudo e pede lhe p’a fazer mais força
força! força!
o pai tá nos corredores em gritaria e desabafos, louco
quer -ssistir ao parto quase provoca desacatos, louco
o polícia tira o cacetete e começa a ostentá-lo
ele vira as costas e o polícia nervoso expulsa-o do hospital
na sala de parto ela grita e tenta dar-lhe com mais fé
num ápice na v-g-n- já se vê a cabeça do bebé
a enfermeira segura – o e sente a aura angelical
delicada e logo a seguir corta o cordão umbilical
3ª parte (a primeira rima)
nilton – mãe, mãe!
floribela – o quê nilton?
nilton – ouve a minha música na rádio, ouve, ouve! ouve, ouve!
floribela – na rádio? o quê?
nilton – sim, liga a rádio, ouve!
locutor: “12 de novembro de 1987, recebemos uma maquete de mc nilton que se autoint-tula o 1º mc português
esta deve ser provavelmente a primeira música de rap em portugal. mc nilton, vamos ouvir!”
antes da letra, do flow ou da imagem
ser mc é uma questão de coragem
sempre uma questão de honestidade
tu tens coragem de dizer a verdade
já sabemos que tu és memorável
mas tens coragem pa’ te mostrar vulnerável
coragem pa’ andar como os sonhadores
cantar o que sentes sem ter seguidores
coragem pa’ habitar no desconforto
quem tem coragem de não viver para os outros
p’ra ti que és mulher ‘tas na barricada
tu tens coragem pa’ ser emanc-p-da
larga esse trabalho e essa vida mediana
quem tem coragem pa’ viver do que ama
antes do flow, da letra ou da imagem
ser mc é uma questão de coragem
[bridge]
sê fiel a ti, sê fiel a ti, coragem, coragem
sê fiel a ti, sê fiel a ti, coragem, coragem
[refrão]
coragem
sei como é duro ser real aqui
quem tem coragem de ser mc
coragem pa’ florescer
e de ser fiel a si mesmo até morrer
coragem
sei como é duro ser real aqui
quem tem coragem de ser mc
coragem pa’ florescer
e de ser fiel a si mesmo até morrer
coragem
sei como é duro ser real aqui
quem tem coragem de ser mc
coragem pa’ florescer
e de ser fiel a si mesmo até morrer
coragem
sei como é duro ser real aqui
quem tem coragem de ser mc
coragem pa’ florescer
e de ser fiel a si mesmo até morrer
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