a chusma salva-se assim - faustão lyrics
já anda a gente do mar
a fazer fardos e trouxas
arrombando porões
a roubar arcas e caixões
e abandonam as mulheres
os filhos desamparados
que choram muito -ssustados
sem outra consolação
que uns abraçados com outros
incham das águas aos poucos
dos tragos salgados da morte
imploram a deus outra sorte
às arfadas
aos arrancos
em prantos
e às golfadas
e uns se afogam de vez
deixando-se ir ao fundo
e se entregam -ssim
ao sono mais profundo
outros gritam aos céus
pela absolvição
e se enforcam depois
com suas próprias mãos
perneando com a morte
as pernas descarnadas
feitas em rachas em lanhos
e tão estilhaçadas
que por esta parte em destroços
lhes vão caindo os tutanos dos ossos
e sem saberem nadar
sem a nau
sem tábua nem pau
vai o mundo adornar
cai ao mar
cai ao mar
daquela -ssada do barco
constroem seu salvamento
amarrou-se a gente ao troço
p’la cintura p’lo pescoço
indo -ssim tão carregada
ferem com facas e lanças
as mulheres as crianças
que se aferram à jangada
mas rezam avé-marias
padre-nossos litanias
p’las almas dos mutilados
que p’ra ali são abandonados
às arfadas
em arrancos
em prantos
e às golfadas
cheio vai o batel
e quase a afundar
p’ra alijarem a carga
botam gente ao mar
engole uma vez de vinho
e da marmelada um bocado
o pobre de um marinheiro
mesmo antes de ser lançado
deixou-se então atirar
com os braços cruzados
e se ofereceu todo à morte
tão quieto e calado
e o piloto logo abençoou
os seus dois filhos
que ele próprio lançou
e sem saberem nadar
sem a nau
sem a tábua nem pau
vai o mundo a adornar
cai ao mar
cai ao mar
pequena era a tua filha
e não a quiseram salvar
ficou ao colo da ama
no barco grande a afundar
suplicas da jangada
enfim
ergues teus braços de mãe
mas não te escuta ninguém
a chusma salva-se -ssim
gaspar ximenes
calado
não ch0r-s alto
cuidado
tu chora só no coração
ou também vais como o teu irmão
às arfadas
aos arrancos
em prantos
e às golfadas
p-ssam dias a fio
à pura fome e sede
e há quem vá tragando urina
e morra do que bebe
outros da água salgada
falecem dos sentidos
gritando sempre por água
lançam-se ao mar ressequidos
vai-se o soldado e o china
não fica dor nem mágoa
botou-se estêvão mulato
com a mesma sede de água
e na tarde daquela aridez
atirou-se o padre
e o piloto outra vez
e sem saberem nadar
sem a nau
sem tábua nem pau
vai o mundo a adornar
cai ao mar
cai ao mar
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